“Sempre haverá um jeito de piorar”. Roberto Pompeu de Toledo, jornalista e ensaísta, falando sobre os nossos aeroportos

O DILEMA DO CRACK

Não há como ficar indiferente à grave questão do tráfico e do consumo de drogas no Brasil. O que aconteceu na Cracolândia, na capital paulista, ainda repercute entre os que apoiaram a ação policial e os que acharam “arbitrária” a operação da PM. E há, ainda, os que defendem a descriminação do uso de drogas porque a repressão sempre é ineficaz e sem resultados práticos.

Não ficam fora dessa discussão os defensores da tese que não admite a interferência do Poder Público entre os consumidores de drogas por que se trata de um assunto de foro íntimo de cada dependente ou viciado. É preciso pisar com cautela nesse terreno movediço, apenas propício para quem é chegado em teses da área da antropologia social.

É mais fácil e mais romântico acusar o Estado de ausente quando chegamos ao ponto de uma Cracolândia, onde convivem viciados e traficantes num espaço que deveria ser público e desfrutável por qualquer cidadão. Como explicar a um filho que consumir drogas é uma tragédia que nenhum pai gostaria de ter dentro de casa, se as imagens das cracolândias espalhadas em todo o país nos visitam diariamente nos noticiários da televisão?

Qualquer criança, ao receber a advertência paterna, pergunta “se é ruim, se é crime vender drogas, por que a polícia não prende os traficantes e recolhe os viciados para um tratamento?” É aí que os valores morais e éticos de uma sociedade entram em conflito, na confusão de leis, de benefícios a bandidos e vítimas e de tantas teses sobre direitos individuais do dependente.

Mas a mais hipócrita de todas as teses é aquela que insiste em negar ao Estado o poder de polícia para reprimir o happening diário da queima de crack, do consumo de maconha e do tráfico aberto e permitido à luz do dia.. A hipocrisia da tese revela-se quando o mesmo viciado – livre para consumir, sem o Estado na sua vigilância – se aproxima da morte, na mais miserável das condições humanas – os zumbis do crack – e buscar ajuda. Busca-a onde? Nos hospitais públicos, mantidos pelos contribuintes que não foram consultados quando os direitos individuais do dependente foram ameaçados pela “repressão policial”.

Ao acender um cachimbo com crack o dependente na sua primeira “viagem” exige seus direitos legais e fundamentais de não ser importunado. Há até uma quantia de droga considerada legal se for para uso próprio “e ninguém tem nada com isso”. O dilema adquire as primeiras feições dramáticas quando esse consumo diário não é interrompido, ainda por força dos “direitos individuais” do já viciado e na reta final do seu encontro com a morte.

Que não venham, portanto, os defensores da descriminação das drogas exigir tratamento clínico para quem se agarrou às premissas de ser uma pessoa livre para decidir o que fumar ou cheirar durante uma boa parte de sua existência. Quem é livre para escolher e consumir suas drogas precisa continuar na mesma trilha do custo pela opção da “liberdade de viver” naquele mundo.

Se o Estado tiver que arcar – como é hoje – com os custos de internação de dependentes a ele também cabe o direito de reprimir com o bastão da lei quem tenta ingressar no umbral do vício. O mundo inteiro tem programas de Estado para combater o tráfico e o consumo de drogas, assim como assume o dever de tratar os dependentes. Logo, criar teses de liberdade de consumo é querer transformar o Brasil numa Amsterdã. Só está faltando algum sociólogo pedir a criação da Bolsa Crack.

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