VOZ E PALAVRA

O Advento, período litúrgico que antecede o Natal do Senhor, oportuniza-nos valiosas reflexões atinentes à missão dos cristãos, a partir do protagonista, São João Batista.

Santo Agostinho, eminente filósofo e teólogo da Igreja Católica do século V, comenta a personalidade e identidade do profeta João Batista, demonstrando a distinção feita pelo próprio Precursor de Cristo, entre a voz e a Palavra, quando retoma o Evangelho: “João era a voz, mas o Senhor, no princípio era a Palavra” (Jo I, I). João era a voz passageira, Cristo, a Palavra eterna desde o princípio. Suprimi a Palavra, o que se torna a voz? Esvaziada de sentido, é apenas um ruído. “A voz sem palavra ressoa ao ouvido, mas não alimenta o coração”.

Respondendo aos sacerdotes e levitas de Jerusalém, que lhe perguntaram: “Quem és tu?…És tu Elias? És o profeta? João declamou: ‘Eu sou a voz que grita no deserto: ‘Aplainai o caminho do Senhor’, conforme disse o profeta Isaias. “Eu batizo com água, mas no meio de vós está aquele que vós não conheceis, e que vem depois de mim. Eu não mereço desamarrar as correias de suas sandálias” (Jo I, 19-28).

Fica, evidentemente, claro que João Batista é a voz e Cristo, a Palavra. Santo Agostinho ainda justifica: “Queres ver como a voz passa e a palavra divina permanece? Que foi feito do batismo de João? Cumpriu sua missão e desapareceu; agora, é o batismo de Cristo que está em vigor. Todos cremos em Cristo e esperamos dele a salvação: foi o que a voz anunciou”.

O pensamento de Santo Agostinho, concernente à voz do profeta João Batista e à Palavra do Messias, atualiza-se em certo sentido, naquelas atitudes que, hodiernamente, se verificam em meios religiosos, não só entre os adeptos de seitas, mas, por vezes, em “cultos” da Renovação Carismática Católica, onde, em condições de certa histeria psicológica, exorbitam a verdadeira espiritualidade carismática num vozerio desarticulado, absolutamente, nada entendido pelos ouvintes, porque não são palavras… É o caso dos fenômenos glossológicos, das várias línguas a esmo. Estas manifestações não são aprovadas pela Igreja, tanto assim que, há poucos meses, o Cardeal da Arquidiocese de São Paulo, Dom Odilo Pedro Scherer, numa entrevista com Pe. Juarez da mesma Arquidiocese, fez uma análise das “categorias” de católicos, em número avultado, ressaltando que uma Renovação Carismática Católica não é mais católica, porquanto, se desviou dos princípios católicos; não disse, porém, quais são esses grupos de pessoas chamadas carismáticas. É preciso observarmos e estudarmos mais a fundo esta realidade, não condenando, precipitadamente, este ou aquele grupo! Os “carismáticos” que fazem jus a este título como entidade representativa de uma pastoral eclesial, pela própria razão de ser, têm o dever sagrado de observar as normas das celebrações litúrgicas da Igreja, como é o caso de cânticos natalinos executados em pleno Advento, que têm característica própria, pois “antes do tempo, não é tempo”. Visto que contradizem a unidade da Igreja, em oposição à integridade do culto divino.

Além das deficientes expressões do culto litúrgico, acrescentaria os comportamentos éticos: ações injustas na convivência social. Destarte, frente aos desvarios sociais, a fantasiosa glossologia perde o total sentido do que, até, poderia ter alguma credibilidade.

Outro tópico, que implica discernimento, é o confronto da Palavra de Deus com a palavra do homem. Vislumbro tal questionamento, sob a palavra do Santo Padre, Bento XVI, na conferência de imprensa, em pleno vôo rumo a Benim, na África, no dia 18 de novembro de ano em curso (2011). Disse o Sumo Pontífice que não poderia resumir, em poucas palavras, a mensagem a ser proclamada: “É verdade que houve tantas conferências internacionais e, precisamente, para a África, para a fraternidade universal. Dizem-se coisas boas e, por vezes, também se fazem realmente coisas boas: temos de o reconhecer! Mas, certamente, as palavras são maiores, as intenções e mesmo a vontade são maiores do que a realização; e devemos interrogar-nos por que motivo a realidade não chega às palavras e às intenções. Parece-me que um fator fundamental é que esta renovação, esta fraternidade universal exige renúncias , exige também superar o egoísmo e ser para o outro. Isto é fácil de dizer, mas é difícil realizar “. Estas palavras do Papa cabem bem à nossa realidade brasileira: tantos pensamentos e palavras hiperbólicas de otimismo em contraste com a realidade “sistêmica”, não somente localizada parcialmente. Vigora a pretendida verdade no ângulo da mentira, o contraste entre a Palavra de Deus e a palavra do homem!

O Natal do Senhor, Palavra eterna do Pai vinda até nós, em nossa frágil corporeidade, é o sentido profundo, misterioso, da doação total da vida para o maior tesouro que, o mundo esvaziado de Deus, jamais compreenderá, enquanto permanecer arraigado, prepotentemente, em seus próprios pensamentos e palavras, recusando ouvir a Deus e observar os mandamentos, sintetizados em dois: ” Amar a Deus e ao próximo como a si mesmo”.

Pe. Hermes da Silva Ignácio.

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