Quintana, somente versos

“Verso & Reverso” foi o título geral de uma série de reportagens que escrevi no início da década de 60, pouco depois de ter ingressado na redação do Diário de Notícias, na rua São Pedro, em Porto Alegre.

A idéia era conhecer a outra face de personalidades da política, da cultura, do jornalismo. O lado pessoal, as virtudes e os defeitos reconhecidos por homens do porte de Loureiro da Silva, Menotti Del Picchia, Mário Quintana.

Assim me familiarizei com a alma de dezenas de figuras públicas, na conversa solta, ora em seus gabinetes, a maior parte em suas residências.

A propósito de Mário Quintana: foi o mais difícil de todos os contatos. Era conhecida sua aversão a responder perguntas, ainda mais de caráter pessoal. Mas aquela foi uma tarefa que me impus. Afinal, Quintana era um ícone da poesia do Brasil.

Depois de muita insistência e muitas recusas, concordou com a entrevista. Mandei-lhe um questionário e, para minha surpresa, no dia seguinte ele me fez chegar às mãos seis laudas de respostas a todas as perguntas, com um bilhete:

“Meu caro Celito De Grandi.

Aí vai algum material, se achar o que aproveitar. Desculpe estar escrito à mão: não sei pensar a máquina.

Abraço do Mário Quintana”.

Li o texto e me animei a lhe encaminhar novas indagações. No mesmo dia ele as respondeu.

Aqui, algumas do poeta:

-Tenho um invencível pudor de falar de mim mesmo, coisa que nada tem a ver com a modéstia, antes pelo contrário.

- O que mais gosto de fazer? Nada. Depois de não fazer nada, o que mais gosto é de ler novelas policiais, decifrar palavras cruzadas, ver filmes de terror. Gostaria muito de ler seriamente, não por distração, mas o preço dos livros nos está levando para um analfabetismo galopante…

- Gosto de política. É claro, porque também gosto do Brasil e sou político, pois sempre exerço pensada e conscientemente o meu direito de voto, o que é um modo de colaborar nos destinos do país, isto é, na política.

- O que mais admiro em Augusto Mayer é a admiração que tenho por ele.

- E achei sempre um milagre de poesia e técnica os poemas de Cecília Meireles.

- Meu escritor predileto é Machado de Assis. Meu romancista predileto é Marques Rebello.

Sobre mulheres:

- A pergunta me soa a mulheres inspiradoras… Mas creio que sou como aquele poeta português, de uma peça de Lope da Vega e que, como alguém lhe perguntasse por quem estava chorando, respondeu: – Por ninguém. Eu choro de puro amor.

- Acho que tudo o que existe é sobrenatural e inexplicável e não consigo entender o milagre de o senhor, agora, me fazer perguntas e eu respondê-las.

No final, desculpou-se por não ter “podido ou querido apresentar nenhum fato concreto” a seu respeito, para o Verso e Reverso.

- Eu não tenho reversos: só tenho versos…

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