Nas entrelinhas

Está enganado quem acredita que os protestos e manifestações contrários à Copa do Mundo traduzem, de forma clara o todo do pensamento nacional. Perceba-se que o chamado Dia Internacional de Lutas contra a Copa, realizado na última quinta-feira em São Paulo, teve uma adesão superficialista e míngua, se comparado com os chamados protestos de junho – contra os políticos condescententes e, sobretudo, os corruptos. Comparados com as populações das cidades onde aconteceram, foram ínfimos, com 2 mil manifestantes em São Paulo, cerca de 1,3 mil no Rio, mil em Belo Horizonte, 300 em Brasília e, pasmem! cem em Porto Alegre, capital em que culparam a chuvarada pela ausência das pessoas. Diga-se de passagem que no Rio de Janeiro e São Paulo, o público teve um aumento com a inclusão de servidores em greve nas passeatas.
Não é possível adivinhar se haverá crescimento entre os que protestam, chegando a uma maior representatividade ou não. De um lado, tem a TV mostrando, a toda hora, grupos quebrando coisas, outros furtando – como lá em Recife – diga-se de passagem, televisores (de certo para não assistir a Copa, tsc…. tsc…)
É inegável que o movimento abandonou seu caráter propagatório e hoje é sustentado essencialmente por um coletivo de partidos políticos, centrais sindicais contrárias ao governo, servidores em greve, grupos de jovens autointitulados anarquistas, socialistas e black blocs, cuja presença pode ter o efeito de delimitar algo que, ao menos quando surgiu, era de todos e não tinha limite. O coletivo virou pessoal. O político social virou partidário. O protesto contra a Copa do Mundo está diluído em um caldeirão de reivindicações no qual cada movimento colocou um ingrediente. Estão ali a gratuidade dos transportes públicos, o fim dos despejos e das remoções forçadas, o arquivamento dos projetos de lei que aumentam a punição para quem praticar atos de depredação durante protestos e a desmilitarização das polícias — uma tese romântica que não se sustenta diante de episódios como a onda de saques a lojas ocorrida em Recife (PE), nos dois dias em que a Polícia Militar cruzou os braços. Daqui a pouco vão juntar a liberação da maconha, o movimento contra “onde está wally?”, entre outras cositas más.
Também consta a chamada democratização dos meios de comunicação nas transmissões da Copa — nada mais, nada menos, do que uma contestação ao fato de uma emissora de TV deter, sozinha, os direitos de transmissão dos jogos. Aí até que se pode considerar plausível, mas o fato é que alguém compra e alguém vende. Isso é comércio. Melhor que demonizar o mundial de futebol, satanizar o país.
Muita coisa mudou desde que centenas de milhares de pessoas decidiram sair às ruas em junho do ano passado, para expressar sua insatisfação com um estado de coisas que as sacrifica e oprime. O povo se dividiu entre os que preferem curtir a Copa em casa e nos estádios (80% dos ingressos foram comprados por brasileiros – certamente não são os mesmos que não querem a Copa aqui {?} ).
As pessoas mais bem informadas acabam por se convencer de que os protestos, embora legítimos e necessários, podem ter sido desvirtuados pelo oportunismo de grupos políticos, cujo alvo real não é a Copa, e sim as urnas de outubro, e pela infiltração de grupos radicais que apostam no quanto pior, melhor”. Isso desestimula o cidadão de sair às ruas para protestar, pois ninguém gosta de sentir que está sendo usado como massa de manobra num contexto em que as intenções são, para dizer o mínimo, duvidosas.
É preciso ler nas entrelinhas, olhar além do que o olho vê. Com certeza sentir o intangível.
Do contrário, complica. Pessoas decentes vão ser comparadas com marginais e marginais serão taxados de cidadãos incólumes. Os contrários e os favoráveis à Copa, na prática, podem não estar focados na Copa, propriamente, e sim em interesses que em nada têm a ver com ela.
Vale pensar nisso.

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