Entre 2 séculos

Falar de dinheiro é difícil. De bancos, mais ainda, em que pese ser o setor que jamais apresenta prejuízos – salvo alguma falcatrua que algum banqueiro faça com o setor político como a história recente do Brasil já apontou – o setor bancário no Brasil tem um pé no século 21 mas o outro, desafortunadamente, ainda está no século 19. O século 21, todos sabem, foi conquistado com um investimento maciço em tecnologias de ponta que possibilitaram transformar o computador doméstico e até o celular em agências bancárias em miniatura, eliminando deslocamentos e filas para pagar contas, obter extratos, fazer transferências e uma série de outras operações hoje possíveis de serem realizadas on-line, com apenas alguns cliques e uma senha.
O século 19 permanece presente nas filas de espera, nas reclamações de classe, em algumas instituições até na desumanidade das políticas de metas, que extrapolam a capacidade física, mental e emocional dos funcionários. Nas questões que geram vários casos de estresse. Está presente, também, na insistência de economizar recursos humanos nos poucos serviços presenciais ainda existentes e no desprezo pela segurança dos usuários dos serviços de autoatendimento. Não houve, até hoje, nenhum banco a inovar, realizando ação preventiva ao sequestro relâmpago, por exemplo.
O avanço tecnológico, a imposição de exigências extenuantes para os funcionários e as deficiências do atendimento presencial podem parecer incongruentes, mas há razões para crer que eles são expressões de uma mesma cultura empresarial. No centro de tudo está a busca incansável pela redução de custos, que, combinada com uma agressividade exacerbada na atração de contas e venda de serviços, tem permitido aos grandes bancos obter uma lucratividade mais alta que a outros setores, mesmo num cenário de desaquecimento econômico.
Não vai, nessas observações, nenhum preconceito contra o lucro. Entende-se perfeitamente que a busca de melhores resultados é um imperativo para toda empresa, e mais ainda num segmento competitivo como o bancário. Naturalmente, as pessoas que atuam nessa área devem ser perseverantes, criativas e possuir uma vocação natural para enfrentar desafios. E, naturalmente, uma das preocupações permanentes das empresas será obter produtividade máxima dos empregados — o famoso “fazer mais com menos”.
A questão é que, na busca do lucro e da produtividade, há empresas que estão ultrapassando a fronteira entre o moral e o imoral, o humano e o desumano, o legal e o ilegal. Se as coisas não vão bem internamente, externamente também deixam a desejar. Nos últimos dias, deficiências exasperantes relacionadas ao atendimento foram noticiadas por este jornal. Bancos que se recusam a receber boletos de outros bancos, mesmo que ainda não estejam vencidos, e falta de vigilância nos postos de autoatendimento, permitindo que ladrões instalem dispositivos para roubar o dinheiro dos correntistas nos caixas eletrônicos, estão entre os problemas relatados pelos clientes. Mas há outros. No ranking de reclamações do Banco Central, as principais queixas são por débitos e tarifas não autorizados ou contratados.
Os bancos cumprem um papel indispensável no mundo atual e têm muitos méritos na forma como conseguiram simplificar a realização de tarefas, facilitando a vida de pessoas físicas e empresas. Nem por isso, entretanto, estão autorizados a pairar acima das leis, no que concerne ao respeito devido a funcionários e clientes. É tempo de repensar o sistema.
De reavaliar.
E sobretudo, reumanizar.

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