Dor coletiva

As horas passam, os dias se sucedem, os meses ficam para trás… mas parece que a cultura coletiva não muda. O trânsito continua ceifando vidas e deixando um rastro de tristeza, de dissabor, de desesperança… e de preocupação. A morte, recentemente, do menino Joaquim Garcia, de apenas sete anos, que retornava, com os pais e tio, para casa, em Livramento, depois de uma tarde de lazer ligado ao esporte – atividade do pai – deveria de fato provocar um “tranco” no espírito coletivo, ajudando a tirar a sociedade do estado de acomodação, de inércia, de uma zona de conforto que não permite ações necessárias para a mudança que se quer, que o futuro precisa. Acidentes acontecem, é verdade. São situações fortuitas, também é verdade. Ninguém planeja um fato extremamente lamentável como o que aconteceu na noite de domingo passado, mas também é preciso ter consciência de que, de uma forma ou outra, talvez até essa perda pudesse ter sido evitada. O motorista do veículo causador do acidente alega não ter visto o carro em que Joaquim viajava com a família – e isso certamente é verdade. Não se pode conceber que tenha havido dolo no acidente. Mas é certo também que a violência com que o trânsito tem causado tristezas à população pode sim ser reduzida. Essa, aliás, tem sido a essência das políticas públicas para a mobilidade em todo o País. Mas, lamentavelmente, muitas vezes a sociedade prefere se posicionar contra essas medidas, por entender que se trata de ações destinadas exclusivamente a tirar dinheiro do cidadão, através das multas e outras sanções aplicadas aos motoristas. Pior, ainda: por incrível que pareça, alguns chegam ao cúmulo de reclamar da realização de blitze para o controle no trânsito, através da verificação das condições de trafegabilidade dos veículos – e dos motoristas -, além do cumprimento das obrigações regulamentares e legais. Está certo que incomoda, atrapalha um pouco a quem está com pressa, enfim… e igualmente causa desconforto aos esquecidos ou aqueles que optam por pagar outras despesas em detrimento das obrigatórias com relação ao licenciamento do veículo no qual trafegam. Mas, tirando isso, a blitz possibilita sim que se retire das vias ou force os motoristas em situação irregular a recuperar as condições plenas de direção. Isso sem falar na importância que o veículo tem para a prática criminosa. Já foi definida, por exemplo, a ação dos moto-assaltantes como “crime sobre rodas”. Efetivamente, o carro ou moto têm vários papeis no trânsito brasileiro. Servem como instrumentos para agilizar o progresso, utilizados para o transporte de produtos e profissionais; servem como elemento de ligação social, transportando de um lado para outro pessoas da mesma família, amigos, conhecidos que estreitam seus laços de relação social; servem ainda como um braço importante do serviço público, na forma de ambulâncias, viaturas da segurança, bombeiros, entrega de correspondências; e servem, finalmente, como instrumento de lazer – para muitos, um lazer tranquilo, no sentido de chegar ao local de encontrar amigos, relaxar, enfim. Mas também há aqueles para os quais o veículo, moto ou carro, acaba se transformando, em si próprio, no elemento do prazer, materializado na velocidade, no risco, na adrenalina… E aí entra em cena outro dado importante: as estatísticas lamentáveis, que comprovam que direção não combina muito com a adrenalina da diversão provocada pelo álcool e outros tipos de estímulo. E, menos ainda, com a imprudência, o relaxamento em relação ao entorno, aos demais veículos presentes na via – seja no contrafluxo, seja no mesmo sentido. Exatamente por isso é importante reconhecer e valorizar o trabalho feito nas blitze e outras operações de fiscalização no trânsito. Controlar, nesse sentido, passa a ser uma forma de proteger, de demonstrar amor ao próximo, de prevenir a fim de evitar a dor que caminha ao lado do risco e da adrenalina no trânsito. Tudo com o objetivo de evitar, mais tarde, um sofrimento que não é só de familiares e amigos, mas acaba se tornando a dor de toda uma coletividade.

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