El Mirador Fronteriço

No lado oeste do cerro do Marco, de cima do seu rochoso penhasco, se observa, lá embaixo, a bela cidade de Rivera, estendendo-se em todas as direções.
Pois ali, sobre aquele penhasco do Cerro do Marco, existiu na década de 50 um ambiente noturno denominado “El Mirador Fronteriço”.
Era uma espécie de bangalô em estilo tropical, entre belas palmeiras e arbustos. O seu teto quinchado de santa-fé e suas paredes de madeira e bambu, davam-lhe um aspecto de rusticidade e ao mesmo tempo de maravilhoso encanto. Contornava-o por fora, uma varanda circular alpendrada, com ampla escada de entrada pelo lado leste. Era um ambiente espaçoso, com um salão interno rodeado por dependências como a cozinha, reservados, camarins e banheiros. A um balcão-bar semicircular, seguiam-se dois palcos, um de cada lado, divididos por uma porta principal com duas folhas basculantes. O piso era maciço, de madeira de lei, aplainada e envernizada. Era também assim o piso da varanda que circundava o prédio e que dava, ao ar livre, para os jardins. Entre os palcos e o salão central estavam dispostas várias mesas e cadeiras, todas sobre uma plataforma circular intermediária que formava, com os palcos e o salão, três planos distintos, separados entre si por degraus de dez a quinze centímetros.
Internamente o Mirador era capaz de abrigar umas oitenta pessoas, sem contar os artistas, mulheres da casa, músicos e empregados.
Um belo clube tropical noturno, principalmente nas temporadas de verão, assim era o Mirador.
Pois esse ambiente noturno de nossa fronteira, com seus encantos e atrativos, em l958 era freqüentado por boêmios, mulheres e turistas oriundos do Uruguai, da Argentina e do Brasil, além de seus freqüentadores habituais de nossa vida boêmia local, como políticos, fazendeiros, comerciantes, profissionais liberais e uma vasta gama de gente da noite.
Em seus palcos se apresentavam grupos de dança e cantores de fama internacional, artistas nacionais e estrangeiros e uma variedade de espetáculos que faziam da casa um dos principais centros de convergência dos notívagos da fronteira.
Uma das companhias de espetáculo musical que se apresentou no Mirador foi a da atriz e cantora brasileira Virgínia Lane, no final da década de 50, segundo depoimento do meu amigo Elbio Pedra, que assistiu a essa apresentação.
O proprietário do Mirador possuía um vasto círculo de amizades em Livramento e Rivera, o que propiciava uma certa tranqüilidade e uma confiabilidade recíproca entre o dono e e sua clientela. Mas isto não impedia que fatos circunstanciais viessem, às vezes, tumultuar o ambiente.
E assim, uma bela noite de verão em que a casa estava repleta, com todas as mesas ocupadas e os pares dançando ao som de um conjunto que interpretava, se não me engano, “Noches de Upacarai” — aquela antiga canção paraguaia –, depois de ligeira discussão, envolveram-se em luta corporal um forasteiro e um conhecido empresário.
Engalfinhados num “saiam da frente e salve-se quem puder!”, saíram derrubando mesas, cadeiras, copos, garrafas e cinzeiros. A segurança foi acionada e dois possantes leões-de-chácara se apresentaram.
Apartados daquela briga inicial, e ainda ofegantes, o forasteiro, liberando-se das garras do segurança, apanhou o seu punhal — uma peixeira que estava guardada no bolso interno do seu paletó e que deixara sobre o encosto de uma cadeira – e partiu de novo para cima do empresário, apunhalando-o no peito, à altura do coração.
O outro, ainda que malferido, revidou com meia dúzia de bofetadas, fazendo com que o forasteiro, debaixo daquela inesperada saraivada de socos, derrubasse o seu punhal e fosse bater com a cabeça numa coluna de madeira no centro da boate.
Terminada a festa, e a peleja, ambos foram parar no Sanatório de Rivera.
E aquela memorável noite que mal se iniciara no Mirador Fronteiriço, e que prometia se estender pela madrugada adentro, com muita música e diversão, acabou, por ordem da polícia, bem mais cedo para os galos de rinha e demais freqüentadores da casa.

(Luciano Machado).

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