Secretária da Saúde busca solução para falta de ginecologista do SUS

Érika Zanini de Andrade fala sobre situação da pasta, alguns dos problemas e realidade da saúde local

Érika Zanini de Andrade, titular da pasta de Saúde

“Em qualquer espaço onde esteja, vou defender os direitos do meu cidadão, não vou defender outrem, o meu salário, minha carga horária. É uma questão de foro íntimo. Sempre fui assim. É que não me conhecem ainda”. Com essas palavras, a Secretária Municipal da Saúde, a odontóloga Érika Zanini de Andrade, natural de São Paulo, expõe o objetivo a que se propõe. Ela confirma que a pasta tem dificuldades, pode fazer captação de recursos com projetos de serviços. Sobre dinheiro, assumiu publicamente: “Peguei a Secretaria da Saúde com dívidas para com a Santa Casa, sei disso e não é da minha gestão. Herdei isso e há outras pendências para serem pagas. Não vou falar valores, mas vamos pagar sim, assim que possível” – explana. Questionada se são somas de monta, a secretária confirma que são valores significativos. “Sempre vamos trabalhar na lógica do justo, do ético, não há outra forma.

A Plateia – Como encontrou a Secretaria de Saúde de Livramento?
Erika Zanini de Andrade - É um enorme prazer estar secretária em Livramento. O desafio é o maior da minha vida, sem dúvidas. A secretaria tem que ser construída. Não tenho outras palavras, haja vista os pacientes das unidades básicas de saúde não terem um prontuário de evolução, uma UBS tem que ter sala de vacina, só cinco têm. Tem que funcionar 40 horas por semana, as nossas não funcionam, é preciso ter equipe completa: médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem, farmacêuticos, dentista, técnico em saúde bucal ou auxiliar em saúde bucal e não temos nada disso. Então, a atenção básica tem que ser construída, começando do básico, bem básico. A cada dia que passa, tem sido uma surpresa, porque tenho uma vivência de onde tinha uma estrutura montada, redes, estruturações, com muito a ser construído. Mas vejo a situação como um grande presente, porque construir alguma coisa do alicerce é muito bom, eu tenho recebido apoio do Estado, da Federação, o que falta é trabalhar. Temos que pensar e repensar o cronograma da secretaria de saúde. Eu não me encontro nele, da forma como está estruturado hoje, prejudica a funcionalidade e várias questões, de fluxo, exames, referência e contra-referência. O Estado do RS ainda tem muitas deficiências, porque existem coisas importantes em que ainda não há referência, como para cirurgia ginecológica, não há para cirurgia de traumatologia. São questões importantíssimas. Venho sinalizando isso para o Estado, já falei em vários espaços. Entendo que precisamos, cidadãos do Rio Grande do Sul, construir isso, e que seja igual ao Canadá, construir onde se precisa, pois só assim será possível solucionar lacunas. Tem que ser feito em todos os níveis. O cidadão tem que entender o que é atenção básica, o que uma unidade básica de saúde oferece, o papel do enfermeiro – que é primordial na equipe de atenção básica e na atenção básica propriamente – e não vejo isso aqui. Os enfermeiros aqui ficam meio sem saber se fazem ou não fazem. Enfermeiro é peça-chave. Já tive reunião com os enfermeiros e dentistas da rede e deixei muito claro. São eles que fazem, o enfermeiro é o elo do agente comunitário de saúde que, quando tivermos uma grande cobertura da cidade pela Estratégia de Saúde da Família – e isso não vai demorar – esse agente faz o elo do cidadão com a equipe. Outra coisa que percebo aqui: na mentalidade das pessoas, a unidade básica de saúde – e não o postinho – pode fechar às 13h porque à tarde não tem médico. Isso tem que ser revisto, é um raciocínio que terá que ser remodelado. As pessoas têm que entender que à tarde se faz vacina, se faz inalação, se distribui medicamentos e tudo o mais. Então, eu sabia que teria um desafio pela frente, mas é muito maior do que eu imaginava. Estou falando em todos os espaços. Eu preciso de parceiros, não vou construir isso sozinha. Parceiros em todos os níveis, os profissionais, os usuários, a comunidade, os médicos, mas uma coisa que tem que reverter: o médico não é o centro das atenções. O funcionamento da rede de saúde não pode ser em função das necessidades do médico. Não é assim. É justamente o contrário: é em cima das necessidades do paciente.

A Plateia – Quais são as estratégias iniciais para implementar novos processos para chegar a uma nova realidade desejada?
Érika Zanini de Andrade - Primeira coisa: participação da comunidade. Tenho pensado em fazermos uma saúde participativa, para que possamos ouvir o cidadão lá no bairro onde ele está, para pensarmos na realidade dele e fazermos ações em cima disso. É a forma como entendo que deva ocorrer e não eu, dentro de um gabinete, tendo ideias mirabolantes, achando que aquilo é bom para quem está lá em um bairro afastado. No ano passado ainda, com o ex-secretário Eder (Fialho), que me levou em alguns bairros, e eu já imaginava encontrar coisas… Além de qualquer ponto. Elas não existem só aqui. Os problemas sociais são nossos, do Brasil, não só de Sant’Ana do Livramento, mas pelo princípio da equidade, a gente quer oferecer mais serviços, melhor estrutura, mais forte para quem precisa mais, então precisamos estar presentes onde ela é mais desassistida. Isso tenho analisado com muito carinho. Não vou conseguir mudar isso do dia para a noite. Demanda muito tempo, porque tem que haver mudança de paradigmas em relação ao que a população entende que seja saúde. Todo mundo que vive na cidade entende o que seja atenção básica, rede de atenção à saúde, mas é muito diferente o que as pessoas pensam do que deve ser.

A Plateia – Logo nos primeiros dias de governo, estourou a bomba: a cidade está se ginecologista via SUS. Como resolver?
Éria Zanini de Andrade – Na verdade, não é que estourou a “bomba”. “A bomba” já havia. A questão vem desde março do ano passado, quando os ginecologistas que atuavam na rede SUS resolveram não trabalhar mais na saúde pública aqui. Então, não é problema da Érika, de 2013, muito ao contrário, o Dr. Feliciano não está de férias. Está afastado, tirou 30 dias de licença, desde o dia 9. Isso é muito pertinente, porque desde março, até agora, ele vinha levando sozinho. É praticamente impossível que em uma cidade de mais de 84 mil habitantes um único ginecologista queira levar tudo no peito. Eu já sabia disso, e uma das coisas que fiz, no primeiro ou segundo dia foi me reunir com ele, perguntei como resolveríamos. Também me reuni com o doutor Moreira, quase que diariamente, convidei os ginecologistas para uma reunião na segunda-feira à noite, e o que quero é me resolver com eles, pensarmos em uma estratégia imediatista para resolver esse problema pontual. Depois, vamos construir uma política para isso. O vereador Nilo deu manifestação sobre o assunto no jornal, tudo o que ele fala é pertinente, mas tem que ficar bem claro que não é um problema de agora, desses 16 dias, ele já existia.

A Plateia – O vereador Nilo pede decretação de emergência…
Érika Zanini de Andrade - E ele está certo. E ele nem é técnico da saúde. Eu sou e sei a importância disso, a implicação disso. Uma coisa que tem que ser pontuada é a qualidade da atenção que tem que ser dada a essas gestantes. Entendo que uma gestante deve fazer seu pré-natal com um profissional, no máximo dois. Mas os dois quem? A enfermeira da equipe da unidade à qual essa gestante está vinculada – pois o vínculo é muito importante – e o médico. Não pode e não deve trocar de médico. Eu, estando gestante, jamais gostaria de ser atendida por três profissionais, imagine. Cada vez que vou para uma consulta, não sei quem vai me atender. É uma construção que estou tentando fazer com os médicos. Não ouvi todos ainda. Não posso falar por eles, mas é a forma como entendo. Outra coisa: a gestante deve ser atendida na unidade básica próxima à casa dela, e não uma unidade centralizada. Ela perde tempo, dinheiro que talvez não tenha, e se estiver vinculada à unidade básica do lado da casa dela, não precisa. Isso não existe ainda. Há descrição de população. Cada unidade básica tem uma área à qual tem responsabilidade sanitária. Ela e o profissional que está lá. Não existe isso e estamos trabalhando nisso, para vermos as ruas de referência e os profissionais que serão responsáveis. Já já aparece. Outra questão: o profissional, seja médico ou enfermeiro, realmente precisa de qualidade, precisa de condições dignas de trabalho e isso vem de encontro à valorização do profissional que está no plano de governo do Prefeito. O que tem que fazer agora é trabalhar muito e eu tenho a certeza de que estamos. Saio de casa todos os dias com um planejamento para o dia. Nunca consigo executar, porque surgem milhões de coisas.

A Plateia – Em relação à Estratégia de Saúde da Família, há previsão específica de implantação?
Érika Zanini de Andrade - Não tenho previsão. Pelo seguinte motivo: primeiro tenho que pensar na contratação desses profissionais para trabalhar 40 horas, isso envolve lei, concurso, várias questões. Existem as unidades que estão em reforma ou em obras e eu dependo da entrega. Existe a questão da compra dos equipamentos e do profissional para trabalhar. E uma depende da outra. Por mim, adoraria chegar aqui e falar que em fevereiro estaremos com 80% da população. Não posso. Seria muita irresponsabilidade dar um prazo hoje, mas quero fazer isso o quanto antes.

A Plateia – Há na classe médica quem não deseje mais prestar serviços ao SUS, respeita-se. Mas há lacunas significativas, como na pediatria, traumatologia, entre outras, além do problema com a ginecologia. Quais as soluções possíveis?
Érika Zanini de Andrade – Acho que o vínculo nas relações humanas é muito importante, nas profissionais também. E quando se trata da relação paciente e profissional, mais ainda. O profissional médico que mora em Livramento tem sua vida, sua família, sua vida profissional, tem que ser valorizado e respeitado. Mas, nós temos uma necessidade muito grande. Lógico que primeiramente vou tentar resolver os problemas com os profissionais que temos aqui, valorizando-os devidamente. Agora, se isso não for possível, temos que pensar em estratégias: médicos uruguaios, universidades, enfim, o que é soberano – tem que ficar muito claro – é a necessidade do cidadão.

A Plateia – O transporte de passageiros para as referências de atendimento em outros municípios e consultas tornou-se uma praxe. A população chamou de ambulancioterapia. Isso tende a continuar?
Érika Zanini de Andrade - É um dos grandes desafios. Temos milhões de problemas. Não temos referências, não temos o serviço. E pelo que andei conversando em outras instâncias, não é só caso de Livramento. Não há o serviço. É aquilo que falei do modelo canadense: ou se monta o serviço onde precisa ou pego o paciente e levo aonde tenha. Mas como aqui no Rio Grande do Sul e na Fronteira as distâncias são muito grandes entre os municípios, cheguei a pensar em parar para repensar a questão do transporte, as referências mais próximas. Mas, não tem o serviço. Se faz o que é possível, sempre objetivando o que é o ideal. Tenho nítida noção do ideal, se ele não é possível, faço curvinhas, mas elas terão que me levar para o ideal a curto, a médio prazo. Vou trabalhar e me empenhar para chegar nele.

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