Nossa Democracia?…

No nosso país, falar de democracia como se tratasse de algo vivo, quando dela pouco mais nos resta que um conjunto de formas ritualizadas em inocentes sermões e gestos, não passa de uma espécie de missa em latim. Esse milenário invento de uns atenienses para quem ela significaria, nas circunstâncias sociais e políticas específicas do tempo, e segundo a expressão consagrada como “um governo do povo, pelo povo e para o povo”.

Ouço muitas vezes pessoas sinceras argumentar, de boa fé, como o Dr. Fernando Góes, que define muito bem nossa democracia numa só palavra: é “sublinear”. E a outras, que essa aparência de benignidade tem interesse singular, embora sendo um edifício, precisa distribuir melhor os tijolos. A evidência a olho nu nos mostra um estado de catástrofe em que se encontra a maior parte das nossas instituições públicas e está precisamente num quadro de um sistema democrático geral que, mais dia, menos dia, terá de prestar conta aos direitos humanos.

Nosso sistema de governo e de gestão da sociedade a que atualmente vimos chamando de democracia, não o é porque os parlamentares legislam em causa própria e até vendem seus votos. É verdade que podemos votar, é verdade que por delegação da partícula de soberania via partidária podemos escolher os nossos representantes no parlamento. É verdade, enfim, que da relevância numérica de tais representações, cujas combinações políticas necessárias de uma maioria vierem a se impor, sempre resultará um governo. Tudo isto é verdade. Mas é igualmente verdade que a possibilidade de ação democrática começa e acaba aí. O eleitor poderá até tirar do poder um governo que não lhe agrade e pôr outro no seu lugar. Mas o seu voto não teve, não tem, nem nunca terá qualquer efeito visível sobre a única e real força que governa o mundo e, portanto, o nosso país e a sua pessoa. Refiro-me, obviamente, ao poder econômico, em particular à parte dele, sempre em aumento, este gerido por interesses corporativos de acordo com estratégias de domínio que nada têm que ver com aquele bem comum a que, por definição, a democracia aspira. Todos sabem que é assim e, contudo, por uma espécie de automatismo verbal e mental não nos deixa ver a nudez crua dos fatos.

Ainda não nos apercebemos, como se para isso não bastasse ter olhos, de que os nossos governos, esses que para o bem ou para o mal elegemos e de que somos, assim, os primeiros responsáveis, vão se tornando cada vez mais em meros “comissários políticos” do poder econômico, com a objetiva missão de produzirem as leis que a esse poder convier, para depois, envolvidos no açúcar da publicidade oficial ou particular, serem introduzidas no mercado social sem suscitar quase protestos…

E o nosso sindicalismo, de um modo consciente ou inconsciente, dócil e burocratizado, movimento que hoje nos resta, é em grande parte responsável pelo adormecimento social decorrente do processo de dominação econômico antidemocrático em curso no nosso país. Não me alegra dizê-lo, mas não poderia calar-me. E, ainda, acrescento algo da minha lavra particular às fábulas de La Fontaine, que, se não interviermos a tempo, isto é, já, o “rato” dos direitos dos trabalhadores acabará por ser implacavelmente devorado pelo “gato” do custo econômico do parlamentar brasileiro.

Carlos Alberto
Potoko – www.fronteiradapaz.com/carlospotoko

 

 

 

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