Defensoria Pública garante a apenado direito de frequentar curso noturno

A decisão unânime, após um habeas do Tribunal de Justiça/RS tornou possível ao reeducando estudar à noite

Segundo matéria divulgada no site da Defensoria Pública do RS, a defensora pública Luciana Zuheir Badra Guerra, da Comarca de Livramento impetrou recentemente um habeas corpus junto ao Tribunal de Justiça e garantiu a um apenado o direito de frequentar um curso técnico em informática para internet no Instituto Federal Sul-Rio-Grandense. A decisão unânime do Tribunal de Justiça/RS tornou possível ao reeducando estudar à noite.

Segundo a defensora pública, em dezembro de 2011 uma decisão judicial de primeiro grau permitiu a saída do apenado para realizar o processo seletivo. “Ao conferir o resultado, ele comemorou muito, pois foi o segundo colocado e vislumbrou a oportunidade de se qualificar e a possibilidade de um futuro melhor”, lembra a defensora pública.

Entretanto, o mesmo magistrado negou ao apenado autorização para frequentar o curso, por entender que o horário noturno seria incompatível com as regras do regime aberto. “Tal atitude fere a expectativa criada no apenado de estudar e, assim, trilhar o caminho da sonhada ressocialização”, afirma Luciana. A defensora pública destaca, ainda, o excelente comportamento do assistido no cumprimento de sua pena, “tanto que ele se encontra em regime aberto e presta atualmente serviços junto à Defensoria Pública desta Comarca”.

Progressão

Condenado à pena de reclusão de sete anos e seis meses em regime inicial fechado, o apenado iniciou o cumprimento de sua pena na Penitenciária Estadual de Livramento, na qual exercia atividades na cozinha dos funcionários. Após a progressão de regime, trabalhou na Assistência Social do município no projeto de aproveitamento de mão de obra de reclusos em manutenção de praças públicas. Desde fevereiro de 2011, atua na unidade da Defensoria Pública local, exercendo atividades de secretariado cumprindo pena no regime aberto.

Defensora pública Luciana Zuheir Badra Guerra

A Plateia: Como surgiu esta ideia de impetrar um habeas corpus em favor deste apenado?

Defensora: Considerando que ao Apenado foi negada a possibilidade de frequentar o curso técnico no turno da noite sob o argumento de o mesmo ser incompatível com as regras do regime aberto, muito embora tenha sido deferida a saída temporária para a realização do vestibular, optei pelo habeas corpus, pois verifiquei haver cerceamento na liberdade do Reeducando e, ainda, em razão do receio de que a demora no julgamento do agravo em execução, que é o recurso cabível nesses casos, prejudicaria o semestre letivo do Apenado.

A Plateia: Essa vitória junto ao Tribunal de Justiça poderá abrir precedentes para outros casos?

Defensora: Com certeza abrirão precedentes para outros casos.

A Plateia: Ao tentar levar o projeto adiante, quais foram as principais barreiras encontradas?

Defensora: A principal barreira encontrada foi o tempo, pois o Reeducando não poderia perder o ano letivo, o que não acabou ocorrendo, pois o mesmo já se encontra frequentando o curso.

A Plateia: A Defensoria Pública Estadual de Livramento possui outros casos semelhantes com relação à apenados?

Defensora: Tal fato ocorreu quando da substituição da colega titular, portanto, por ser titular da área cível, família e sucessões e, ainda, infância e juventude, desconheço se há outros casos semelhantes.

A Plateia: Quanto a questão da sociedade entender que este tipo de “privilégio” poderá facilitar que apenados possam praticar crimes no semiaberto, como o que ocorre em alguns casos?

Defensora: Considerando que entre os objetivos da pena está o da ressocialização, nada melhor que o estudo para tal fim. Ainda, é importante à sociedade compreender a necessidade do trabalho e do estudo na vida de um apenado, pois de nada adianta ficar o mesmo recolhido a prisão e, ao final da pena, sair, sem ter esse período de transição.

O rigor tem que ser maior para aqueles que não aproveitam as oportunidades
Disse o apenado em entrevista, sobre o direito conquistado de poder estudar no período da noite curso de qualificação

Diante desta notícia de que a Defensoria Pública teria garantido a um apenado em regime aberto da Penitenciária de Livramento, o direito de frequentar curso noturno, a reportagem do Jornal A Plateia foi saber do próprio beneficiado da satisfação de ter conseguido o direito de se qualificar e ter a oportunidade de poder levar uma vida melhor, após ter cumprido sua pena.

Logo nas primeiras perguntas ficou claro que o apenado, que tem 36 anos e que prefere não se identificar, por questões de segurança e para evitar preconceitos durante o curso, já vinha trilhando o seu caminho profissional há vários anos.

Casado e pai de três filhos, com idades de 14, 08 e três anos, o apenado já havia cursado seis semestres em Administração e outros três semestres em Direito, na Urcamp de Alegrete, sua terra natal. Sempre com o pensamento de pagar o que deve a Justiça e voltar ao convívio social com sua família, manteve um bom comportamento até progredir para o regime semiaberto e prestar serviço externo, coisa que atualmente faz das 8h30 às 18h30.

O crime ocorrido em meados de 2000, na cidade de Alegrete o condenou a uma pena de mais de 7 anos, dos quais cumpriu em regime fechado um ano e três meses e goza do benefício de progressão, desde de abril de 2011, quando ganhou o semiaberto, que não o impede de ter que pernoitar na Penitenciária.

Com o novo curso sua rotina, que inicia as 8h30 fora da Penitenciária Estadual de Livramento se estenderia até a meia-noite, de segunda a sexta-feira.

Entrevista

Com 36 anos de idade, apenado espera se qualificar e cumprir os meses de pena que ainda faltam

A Plateia: De que forma surgiu esta oportunidade para um novo curso?

Apenado: Foi simplesmente pela questão da informação mesmo, vi o anúncio em alguns cartazes e achei interessante, fiz a inscrição, entrei com pedido normal de autorização para fazer a prova, porque era em um domingo, data que não tem saída normal do presídio o que acabou sendo autorizado pelo Juiz da Comarca, na qual já constava que o curso seria no período noturno, na qual ele autorizou, fiz a prova, me classifiquei em segundo, fiz a matricula e encaminhei o pedido para solicitar alteração no horário, que para minha surpresa foi negada esta alteração, em que foi alegado que o horário era incompatível com o regime.

A Plateia: Você tinha conhecimento de que o horário noturno era incompatível com as regras do regime?

Apenado: Não, porque já tinha tido casos de apenados que cursavam universidades e retornavam à meia-noite.

A Plateia: De que forma o teu caso chegou até a Defensoria Estadual?

Apenado: O meu processo de execução é defendido pela Defensoria Pública Estadual, então como a Dra. Sabrina, que é a titular da pasta estava de férias, ela estava sendo substituída pela Dra Luciana, então procurei ela e fui encaminhada desta forma toda a questão jurídica, com a formatação de um habeas corpus, encaminhou tudo para Porto Alegre e deu no que deu.

A Plateia: Você considera esse resultado, além de uma conquista pessoal, uma conquista que poderá ser coletiva?

Apenado: O que acontece. Hoje a sociedade em si, ela tem um triste costume porque tu tens inúmeros exemplos de coisas que dão erradas, um exemplo disso foi esta última prisão de um assalto a mão armada na região central da cidade, na qual o acusado estava foragido do regime semiaberto e inúmeros outros casos; então tu só tem esta demanda negativa e a sociedade como defesa, ela pleiteia junto ao judiciário que tranque o máximo possível no regime no fechado ou até mesmo no aberto e semiaberto, que os benefícios sejam feito de forma rigorosíssima, só que é complicado tu achar que rigoroso é tu negar um direito, porque até um certo ponto tu passa a ter um excesso de cumprimento de pena em um benefício que a lei me garante, porque até então o cumprimento da pena é individual. Eu não posso ser condenado pela maioria, pelos equívocos ou erros de um, dois ou três, até porque a lei segue a mesma.

A Plateia: Tu considera que o tempo que esteve cumprindo pena no regime fechado houve algum tipo de ressocialização ou isso ocorreu a partir do semiaberto?

Apenado: A minha mentalidade, até mesmo pelo fato do delito ter acontecido há mais de dez anos e eu vinha respondendo em liberdade- quando entrei lá na penitenciária, tinha o intuito de sempre buscar sair com a mesma mentalidade de quando eu entrei, porque pela tipificação do cumprimento de pena hoje fechado tu não tem uma forma de melhora social, embora aqui em Livramento seja a melhor Comarca da Região em termos de cumprimento de pena, pela questão física, estrutural, de pessoal, se comparado a outros presídios, de longe é o melhor, mas mesmo assim o modelo não te oferece uma estrutura de ressocialização, por mais que um administrador tenha esse desejo, este intuito, acaba esbarrando nos moldes do próprio sistema. Se tu nega para um apenado o direito ao estudo, tanto de nível fundamental, médio, pós-médio ou universitário, então tu estás negando a ressocialização dele em última instância, embora a sociedade queira afastar o cidadão que cometeu o delito, ele vai voltar, é muito melhor pra mim, que quer sair de volta para a sociedade, que a pessoa tenha uma oportunidade de sair um pouquinho melhor ao menos. E quanto à questão do rigor, à Justiça tem que apertar ainda mais, aqueles que não aproveitam, ou seja, a pessoa teve uma oportunidade foi lá e cometeu um novo delito, ai sim traz o rigor da lei. Agora não se pode transformar o erro de poucos, em uma ideia da maioria e simplesmente negar um benefício.

A Plateia: Uma das perguntas que sempre se faz neste tipo de caso é se a pessoa se sente arrependida. Nesta situação o arrependimento poderia ser transmitido na forma de uma qualificação profissional ou até mesmo de querer se inserir de volta à sociedade voltando a estudar?

Apenado: A questão do arrependimento é uma questão muito maior, porque muitas vezes tu olha para um cidadão e vê somente a parte externa, tu não consegue ver a parte psicológica dele. No caso de um apenado, tu já tens um embasamento de um profissional Psicólogo que atua lá dentro da Penitenciária, um acompanhamento de todo o conjunto penal, no sentido de ter ideia se essa pessoa realmente tem o interesse de se reabilitar, mas, mais do que saber se essa pessoa tem esse interesse, procurando um estudo, por exemplo, porque ela pode simplesmente ser demagógica para que tenha um espaço maior na rua, não nego isso, pois pode acontecer neste caso, jamais à Justiça, à Vara Criminal vai ter a certeza de que aquele cidadão se encontra numa condição favorável a reingressar à sociedade se ela não for testando ele aos poucos, como já prevê a lei.

A Plateia: Que tipo de mensagem você gostaria de repassar à sociedade a respeito de tudo o que foi abordado

Apenado: A realidade é uma visão bem simples, não adianta fecharmos os olhos quanto “sociedade perfeita” e acharmos que o mundo vai ser resolvido simplesmente trancando um indivíduo que cometeu um erro, pois ele vai sair de lá de dentro, e se nós não trabalharmos em prol da melhora dele como cidadão mostrando que existe uma alternativa, que existe uma possibilidade de dignificação através do trabalho, a delinquência só tende a aumentar.

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