Párias sociais, andarilhos, moradores de rua são personagens de um mistério na cidade

Há pessoas que buscam ganhar dinheiro perambulando pela cidade, atuando como cuidadores de veículos, as quais não são identificadas nesta reportagem, pois a intenção não é expô-las, mas sim demonstrar o fato jornalístico

Pessoas perambulando pelas ruas, dormindo ao relento, pedindo dinheiro, ingerindo cachaça e outras bebidas alcóolicas, circulando pelas praças, terminal e paradas de ônibus, sem assistência, sem teto e sem alimento; muitos dos quais em situação de marginalidade, outros em condições de saúde e sanidade mental delicada. De onde vêm essas pessoas? Quais suas origens? Quem as traz para a cidade? Mistério.

 

São apenas algumas das várias perguntas que surgem. E que vem tentando ser respondidas pelas abordagens da Secretaria Municipal de Assistêcia Social, que busca dar encaminhamento a esses cidadãos, transformados, por motivos diversos, em párias sociais, abandonados ao fortuito, desinteressados, sob risco.

Há uma forte suspeita, por parte da equipe de trabalho da pasta – o que é acusado por pessoas que eventualmente entram em contato com as emissoras de rádio – de que muitas dessas pessoas são trazidas de outros municípios e deixadas nas rodovias de acesso a Livramento, convergindo para o centro da cidade em busca de alimento.

Essa é uma possibilidade que convence a titular da pasta de Assistência Social, Marilú Suarez, que comanda o trabalho da equipe da secretaria em diversas ações do gênero.

Ontem, pela manhã e à tarde, seguindo alguns indícios, a reportagem de A Plateia foi a quatro locais, com a finalidade de tentar localizar e identificar pelo menos dois novos párias sociais, um no terminal de ônibus e outro na Andradas, entre a General Câmara e a Brigadeiro Canabarro. Nenhum dos dois foi localizado, sendo colhidas algumas informações mínimas junto a comércios e pessoas das imediações. Este assunto foi tratado ontem, na RCC FM, no programa Jornal da Manhã. Algumas pessoas fizeram contato com a emissora, indicando a chegada de novos indivíduos nessa condição social nos últimos dias. Entretanto, até o fim da tarde de ontem, não foram localizados, o que pode estar justificado por uma das características de pessoas desse perfil: migram de lugar em lugar na cidade, não permanecendo muitos dias em um ponto fixo.

Terminal de ônibus de Livramento é um dos pontos que, no inverno, é utilizado como local de pernoite por andarilhos, segundo depoimentos de pessoas das cercanias

Tomar banho, um dos motivos da resistência em ser assistido

 

“A maioria deles não quer tomar banho, cortar os cabelos, fazer barba, que é um dos requisitos necessários para encaminhamento a um local público. Existem regras que eles precisam obeceder para pernoitar em um lugar sob jurisdição da municipalidade, mas também não podemos forçá- -los a nada. Se não estiverem cometendo qualquer ilícito, gerando transtornos ou incomodações, não há muito o que fazer, apenas oferecer assistência, pois, do contrário, estaremos cerceando sua liberdade de ir e vir, assegurada pelos preceitos constitucionais”. A afirmação é do secretário adjunto da Assistência Social, Luís Varela, que pessoalmente percorre, com uma equipe, alguns dos principais pontos onde concentram-se, eventualmente, andarilhos e outros do gênero, como a praça General Osório, o parque Internacional, o terminal de ônibus, entre outras áreas e espaços públicos. É possível identificar alguns aspectos diferenciais e, no mínimo uma suspeita grave, o que é confirmado pelo adjunto. São pessoas, em absoluta maioria, de outras cidades, algumas com debilidades mentais ou problemas de saúde, doenças como o alcoolismo. Existem aqueles que não têm qualquer documentação ou pertence pessoal, restringindo em muito a possibilidade de identificação para uma tentativa de localizar familiares. Outra situação é o fato de que já estão habituados à vida na rua, não têm interesse em trabalho, família, falam pouco sobre eles próprios. São desajustados sociais que precisam, além de assistência da sociedade na figura do Estado, auxílio psicológico e, salvo outras situações, médico e ate, em casos extremos, psiquiátrico.

Cada situação é completamente diferente

Se existem andarilhos circulando na cidade, outros párias sociais também o fazem. Porém, é preciso identificá-los e constatar suas realidades, como faz a equipe de Assistência Social.

Há um grupo de três a quatro pessoas, todas da mesma família, de origem uruguaia, os quais não se encaixam como moradores de rua, sem tetos, mendigos ou andarilhos. São dois homens, um jovem e uma mulher, os quais circulam entre Andradas e Rivadávia Corrêa, colocando-se como guardadores de carros. Segundo informações captadas pela Secretaria de Assistência Social, são moradores do bairro riverense Sacrifício de Sônia e, cotidianamente, vêm para Livramento com a finalidade de buscar dinheiro, obtido como cuidadores de veículos, sobre o que não há legislação proibitiva.

“Eles têm casa, são uruguaios, recebem a canasta (tipo de assistência alimentar uruguaia para pessoas que estão na linha de pobreza ou de miséria social) e já foram cadastrados, mas são uruguaios” – explica Marilu Suarez. Segundo Luis Varela, é um caso de pessoas que permanecem algumas horas no centro e se vão embora.

“Em alguns casos, nos falta o apoio presencial da Brigada Militar, para, nas situações necessárias, exercer a autoridade, pois embora exista boa vontade, não há disponibilidade de efetivo sempre” – agrega a secretária Marilú Suarez.

Assistência Social suspeita do transporte de novos moradores de rua para Livramento

Responsáveis pela pasta da Assistência Social, Luís Varela, o adjunto, e a titular, secretária Marilu Suarez, confirmando que há preocupação com a chegada do inverno e destacando a crença na “desova” de pessoas marginalizadas na cidade

A suspeita de que são “desovados” párias sociais em Livramento é antiga.

Remonta ao início da década e pode ter fundamento, embora provar que assim ocorre seja muito difícil.

Na prática, ninguém sabe como se deslocam essas pessoas que estão em situação de miséria sócio-econômica ou com problemas de saúde mental, depressão ou, ainda, até mesmo marginalizados – alguns dos quais procurados por agressões, obcenidades, entre outros crimes e ilícitos em outras cidades.

Marilu Suarez confirma crer que seja verdade essa “desova” de pessoas. Informa que ainda não tem ideia de como ocorre e quem transporta, mas considera que é muito estranho, de um dia para outro, aparecer em Livramento um mendigo nascido em Caxias do Sul ou outro município.

“É o caso do chamado Jacobina, que é de Caxias. Seu nome é José e hoje ele está no asilo. Conseguimos prestar assistência porque ele aceitou e sua situação é completamente diferente daquela de tempos atrás, quando perambulava pelo centro da cidade e dormia com os cães, alimentando-se de restos de lixo. Foi um trabalho muito intenso e gradativo” – recorda a secretária.

A reportagem tentou conversar com alguns cidadãos que estavam na praça General Osório ontem, porém, diante da identificação como jornalistas, os mesmos se negaram a ser fotografados e a dar detalhes sobre suas vidas, sem entretanto, fazer quaisquer ameaças, apenas dizendo para que os “deixassem em paz”.

ENTREVISTA

Marilu Suarez da Silva, titular da Assistência Social, afirma estar preocupada com o inverno vindouro

A Plateia – Qual o perfil ou perfis desses cidadãos e que tipo de providência é adotada pela secretaria?

Marilu Suarez - São distintos e diferenciados, assim como são pessoas de várias idades e com diferentes históricos. Cada situação é diferente da outra, pela experiência que temos em âmbito de secretaria. Citamos o caso do Jacobina, que está internado há mais de um mês e tendo assistência de psicóloga. Saiu da rua e, tendo aceito a assistência, já mudou para melhor, a ponto de estar irreconhecível em relação ao que se via. Há outros diversos casos, para os quais providenciamos a assistência, mas é muito difícil porque não dispomos de informações sobre as pessoas, até para que sejam contatados seus familiares. Também, em outros casos, precisamos de acompanhamento policial, que tem dificuldade em função de pessoal. Há casos de uruguaios que têm residência em Rivera e circulam em Livramento.

A Plateia – Como são feitas as abordagens?

Marilu Suarez - É feito o contato direto, na condição em que a pessoa se encontra. Na maioria das vezes, as informações que obtemos provêm da própria comunidade e, aliás, é nesse ponto que sempre precisamos do apoio das pessoas com o máximo possível de detalhes, até para que possamos ver o encaminhamento a ser dado.

A Plateia – Há muita resistência por parte deles?

Marilu Suarez - É realmente um problema ao qual estamos atentos na secretaria. Não conseguimos resolver de todo, até porque há muita resistência aos encaminhamentos, em função de que alguns ingerem bebida alcóolica e não querem parar. Existem regramentos que precisam cumprir para que tenham abrigo, por exemplo, um local para dormir. Um deles é o banho, como já foi colocado. Essas regras não são obedecidas por parte deles e não podemos restringir a liberdade delas. É uma preocupação muito grande para nós, pois recebemos muitos contatos de pessoas dando indicações sobre os locais onde ficam esses moradores de rua, andarilhos.

A Plateia – Existe alguma outra perspectiva para abordar o problema de forma imediata?

Marilu Suarez - Sim, até o fim deste mês, segundo estamos planejando, será disponibilizada uma casa de passagem para que possamos colocá-los, pois nossa preocupação principal é a chegada do inverno, quando aumenta o número de pessoas em situação de risco nas ruas da cidade. Já estamos em tratativas para conseguir um imóvel na rua 13 de Maio, o que deverá se confirmar dentro em breve para esse fim.

A Plateia – É possível que exista uma “desova” de pessoas em situação de miséria social de outros municípios em Livramento, dado o fato de estranhos à cidade aparecerem de um momento para outro sendo vistos no centro ou em pontos específicos, como praças, espaços públicos ?

Marilu Suarez - Acreditamos que sim. São fortes os indícios de que essas pessoas são trazidas para Livramento, seja por caronas, seja por transportes diversos, pois provêm de vários outros municípios, inclusive de distâncias bem consideráveis.

A Plateia – E a sociedade, como reage a essas situações?

Marilu Suarez - Esse é um ponto importante. As pessoas, compreensivelmente, com dó, agem de forma errada. Doam dinheiro, alimentação e acabam inconscientemente estimulando a permanência deles nas ruas. Apenas trocam de local quando esgotam as possibilidades de conseguir comida ou bebida e dinheiro, por isso são vistos em vários locais ao longo de determinado período.

A Plateia – A sociedade erra em suas atitudes, então?

Marilu Suarez- Na verdade, a sociedade não se envolve diretamente no problema, buscando colaborar para solucionar e isso vale para os vários segmentos, comércio, hotelaria, enfim… Pode colaborar de outras diversas formas, estando ciente do problema.

A Plateia – E o munícipe que tem a intenção de colaborar, como pode fazer?

Marilu Suarez - Num primeiro momento, é necessário que tenhamos informações. Precisamos que as pessoas, em sabendo das situações que envolvem essas pessoas, nos informem. Que façam contato conosco para informar. Estamos permanentemente buscando acompanhar essa realidade local.

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1 Comentário

  1. iturbide

    É digno de elogios o trabalho de diversas entidades que se dedicam a ajudar e entender essas pessoas que estão desgraçadas na vida. Costuma-se dizer moradores de rua mas na realidade a rua não é moradia de ninguém, são pessoas sem ter onde morar mesmo e em muitos casos até tem onde morar porém os problemas familiares, dificuldades financeiras são tantos que abandonam tudo e caem no mundo entregando-se aos vícios da bebida, drogas e outras coisas mais. Nada justifica o abandono de ideais mas é a realidade e isso ocorre de norte a sul do Brasil infelizmente e o pior de tudo é  que muitas autoridades fecham os olhos para esse problema. Aqui em São Paulo a coisa é gravíssima.

    Ancelmo. SP.

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