Livramento terá o seu primeiro casamento entre pessoas do mesmo sexo

Duas mulheres protagonizam o enlace homoafetivo, e a expectativa vai além de quebrar preconceitos

Desde o dia em que circulou o convite para o casamento coletivo deste ano, em Livramento, a expectativa para os inscritos é grande. Passaram-se apenas oito dias da publicação, e a cidade já tem o seu primeiro casal homoafetivo inscrito.

Mariana da Silva Maciel, nascida em Canoas-RS, 28 anos, e Daniela dos Santos Rodrigues, santanense, de 23, residentes no Bairro Armour, foram ao Cartório no último dia 30 e registraram o desejo de oficializar uma relação que já existe há oito anos. O processo de habilitação para o casamento é o mesmo de qualquer casal hetero.

O casamento entre Mariana e Daniela é o primeiro do gênero na cidade, e o segundo realizado em solenidades coletivas no Brasil – o primeiro casamento coletivo a contemplar uniões homossexuais foi no Rio de Janeiro, em dezembro de 2013.

Segundo o Conselho Nacional de Justiça, os cartórios de todo o País não poderão recusar a celebração de casamentos civis de casais do mesmo sexo ou deixar de converter em casamento união estável homoafetiva, como estabelece a Resolução n. 175, de 14 de maio de 2013, aprovada durante a 169ª Sessão Plenária do Conselho Nacional de Justiça.

Mariana afirma que, inclusive, foi ao Cartório em dezembro do ano passado, e quis fazer o casamento, mas na ocasião enfrentou muitas barreiras e não foi possível realizar o ato. “Eu disse que ia conseguir e voltaria lá, garanti que seríamos as primeiras a fazer valer esse direito aqui, e vamos ser”.

Embora este seja um assunto já debatido nacionalmente, a matéria no interior do Brasil ainda demanda muita quebra de preconceitos, até mesmo por parte dos próprios casais que vivem suas uniões às escuras, com medo até da própria família.

A Juíza da 3ª Vara Cível comentou a inscrição das duas jovens de forma muito feliz. Disse que o reconhecimento legal da união é muito importante também no que tange ao reconhecimento de direitos sobre bens, e que a sociedade deve estar preparada para uma realidade que já está consolidada.

“A discriminação ao sexo e opção sexual é crime. Qualquer sentimento de preconceito enseja a responsabilidade criminal daquele que o fizer”. A Juíza enfatiza que o Poder Judiciário não irá medir esforços em combater atitudes nesse sentido, e finaliza comentando que espera de outros casais homossexuais que tomem como exemplo a atitude dessas jovens e formalizem a união. A Magistrada enfatizou que “é preciso ter coragem para tirar o véu do medo e do preconceito, pois só assim, os casais homoafetivos poderão fazer valer um direito que já é deles”.

Em entrevista exclusiva para A Plateia, Mariana e Daniela falaram um pouco a respeito de sua história e expectativas com relação à oficialização do matrimônio.

A Plateia: Como começou a história de vocês?
Daniela: A gente se conheceu num baile gaúcho, dia 10 de maio de 2006. No dia da festa, eu não queria ir, mas acabei indo só para não perder o ingresso. Eu vi a Mariana primeiro, e acabou que ela veio e me chamou para dançar. A gente conversou muito naquela noite, e desde então estamos junto, são oito anos de relação. Foi super rápido, a gente se conheceu numa quinta-feira e no domingo já tínhamos certeza. Em quatro dias, a gente já estava vivendo junto.

A Plateia: E como foi a relação de vocês no início.
Daniele: Primeiro, moramos com uma tia da Daniela, foi por pouco tempo. Depois, fomos morar em um quarto alugado e muito pequeno, não tínhamos quase nada e, aos poucos, é que fomos construindo um patrimônio, comprando móveis e realizando os planos.

A Plateia: Como foi a relação com a família de vocês?
Mariana: De início, foi muito complicado, nossas famílias não apoiaram, ficaram contrariadas, a Daniele sofreu mais. Foi só de um ano para cá que nossas famílias se achegaram mais e começaram a nos dar apoio, mas ainda assim é muito difícil.
Daniela: Hoje, minha mãe está até animada com o casamento, faz planos, conta para os amigos, então já aceitou mais nosso casamento.

A Plateia: Há quanto tempo vocês moram aqui nesta casa?
Mariana: Moramos há dois anos. A gente comprou a casa e vem pagando o financiamento. Nos orgulhamos muito, porque conseguimos mobiliar e hoje tudo é nosso. É um sonho realizado.

A Plateia: O que vocês esperam com esse casamento agendado para março?
Mariana: Ah, a gente espera regularizar tudo e realizar um sonho. Inclusive, eu fiz um documento em que declaro que deixo tudo para a minha companheira em caso de morte, porque tudo foi construído por nós, e eu quero que ela tenha esse direito. Como o casamento oficial é só em março, eu já deixo registrado no cartório que tudo adquirido antes faz parte do nosso patrimônio, e é direito de ambas, é uma segurança e uma herança que fica. Além disso, estou muito feliz.
Daniela: Eu estou muito feliz, a Mariana é uma mulher maravilhosa e a amo muito, é preciso ver que não são oito meses, são oito anos de relação. É uma história vivida junto.

A Plateia: Como ficaram sabendo a respeito do casamento coletivo?
Daniela: Ma verdade, foi muito rápido. A Dra. Rosi Barreto, promotora de justiça, foi quem nos avisou do casamento coletivo e informou, inclusive, para a nossa família. Ela já conhece a Mariana há dez anos e sabia do nosso desejo, então com a chegada da Juíza ficou mais fácil realizar este evento e abrir a possibilidade para todas as pessoas.

A Plateia: Vocês encontram muito preconceito na cidade?
Daniela: Olha, foi bem difícil. Aqui em Livramento tem muito preconceito, algumas pessoas não se importam, mas boa parte delas não te conhece e já te julga.
Mariana: Elas te olham estranho. No meu trabalho não tenho problemas, mas na rua é muito difícil. Reparam a roupa que tu veste, te olham de cima para baixo e já te julgam. Até familiares e amigos disseram que eu repensasse esse casamento, falaram para a gente não fazer isso, mas na verdade é o nosso desejo.

A Plateia: Vocês pretendem fazer festa, além da cerimônia coletiva?
Daniela: A gente quer fazer uma coisa bonita, fazer uma produção, uma roupa especial e talvez uma recepção para amigos mais chegados. As alianças a gente já vai encomendar, queremos fazer duas especialmente para o casamento de março.

Palavra final: A gente espera que o nosso casamento sirva de apoio para outros casais que ainda se escondem e que não querem casar, por medo da sociedade. A gente sabe que é um assunto delicado, mas não tem que ter vergonha, a gente se ama e isso é mais importante.

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