Estudantes santanenses da Urcamp prestam homenagem às vítimas da Boate Kiss

Ato ocorreu na manhã de ontem e reuniu estudantes do Ensino Médio da Universidade da Região da Campanha, no campus de Livramento

Orações, breves relatos e muita reverência marcaram a homenagem feita pelos estudantes, na manhã de ontem, na Urcamp

Um dia reservado à reverência, à memória e respeito a quem se foi. Foi assim, com uma homenagem singela, feita a 245 Km da cidade de Santa Maria, que estudantes do Ensino Médio da Urcamp – Universidade da Região da Campanha em Sant’Ana do Livramento, lembraram a passagem de trinta dias da maior tragédia da história recente do Rio Grande do Sul. No dia 27 de janeiro, quando centenas de telefones celulares tocavam sem parar em cima de corpos jovens que tiveram a vida interrompida de forma brusca no interior da Boate Kiss, em Santa Maria, muitos dos meninos e meninas que participaram do ato ocorrido no pátio da instituição em Livramento nem sequer poderiam imaginar que algo tão brutal pudesse estar acontecendo com outros tantos com idades próximas às suas e com muitos pensamentos em comum. Jovens que carregavam consigo sonhos, projetos, ideias e ideais de transformação do mundo atual, através das suas potencialidades, deixaram para trás um rastro de saudade e dor, que somente será amenizada através de gestos como a homenagem feita pelos estudantes santanenses, e pelo tempo. 

Pais e filhos

“É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã, porque se você parar pra pensar, na verdade não há…”. A música com letra de Dado Villalobos, Marcelo Bonfá e música de Renato Russo, imortalizada na voz do próprio Renato, líder da Legião Urbana, uma das maiores bandas brasileira dos anos 80 e início dos 90, foi cantada em voz serena, baixo tom, pelo professor Edinho Larruscaim e acompanhada em um coro solene feito pelos cerca de 50 estudantes e professores que participaram do ato. Com balões brancos, de mãos dadas e reverentes, os estudantes ouviram um breve relato feito pela diretora da escola, professora Saly Lorety Gonçalves, que explicou os motivos do ato. Segundo ela, jovens como eles perderam a vida, e prestar esta homenagem é uma forma de emanar energia às famílias e ao povo de Santa Maria. “Decidimos fazer esta homenagem por sugestão da professora Gisele Jacques, que é natural da cidade de Santa Maria, e que trabalha conosco. Também quisemos fazer uma reflexão com os nossos alunos sobre este momento tão triste pelo qual passamos, e continuamos vivenciando. O objetivo era esse, uma reflexão, uma oração, o momento deles vivenciarem e sentirem o problemas que as famílias estão passando. Eu não sei se é em função desse fato, mas começamos as aulas no último dia 25 de fevereiro e sentimos que nossos alunos estão muito calmos. Não sei se tem a ver, mas eles têm conversado muito e os jovens todos ficaram muito traumatizados”, contou a diretora Saly Lorety.

Para quem mora em Santa Maria, a dor e o trauma ainda irão demorar muito para passar. A professora Gisele Jacques Holzschuch, ainda residente na cidade onde ocorreu a tragédia, e que vem a Livramento apenas para ministrar aulas aos alunos do Ensino Médio da Urcamp, diz que Santa Maria está definitivamente diferente. “O coração do Rio Grande, a cidade que guarda muito sentimento, já não sorri tanto. A gente vê uma cidade que se uniu como nunca na solidariedade e que, agora, clama por justiça. Santa Maria, apesar da tragédia, acabou se tornando um exemplo para as demais cidades quando o assunto é conscientização. Os jovens estão muito mais tristes, e isso somente o tempo poderá aliviar”, contou a professora, que também fez um breve relato aos alunos da situação atual da cidade, na região central do Estado. Para ela, a cidade mudou e as pessoas que lá residem também. “A cidade mudou neste mês. Não é mais a mesma de antes. Agora, percebe-se uma fé mais forte e um silêncio maior também. A solidariedade das pessoas foi muito grande, e fez com que a cidade se unisse e aflorasse a fé, o respeito mútuo. Tenho procurado conversar e passar uma mensagem de fé, de respeito e solidariedade aos alunos. Procuramos não tocar muito no assunto, porque a dor ainda é muito grande para quem está lá”, disse ela.

“Era para minha  filha estar lá”

“O namorado dela era um dos organizadores da festa. Como ela resolveu, na última hora, não ir, ele também não foi. Eram oito horas da manhã quando recebi uma ligação. Do outro lado da linha, a voz da minha filha, que dizia: “… eu estou bem, mas aconteceu algo muito grave aqui. Eu não estava no incêndio…”. Fiquei sem entender e somente fui ficar a par dos acontecimentos quando liguei a televisão, sintonizei na RCC FM, e descobri o que estava acontecendo”. O relato, ainda hoje emocionado, do professor Edinho Larruscaim, que participou da homenagem na manhã de ontem, é um entre tantos de pais e familiares que puderam sentir o mesmo alívio ao reencontrar os seus filhos – um privilégio que outros 239 pais e mães não tiveram, na fatídica madrugada e manhã do dia 27 de janeiro. “Quando vi minha filha na Estação Rodoviária, no mesmo dia, sã e salva e de volta em casa, desabei, e a emoção tomou conta de mim”, lembrou ele, com os olhos visivelmente marejados e com a mão esquerda de forma involuntária repousada sobre o peito. O violão encostado no corpo, a voz mansa do professor e músico, cuja filha faz faculdade de música na cidade de Santa Maria, emocionou em acordes os estudantes e professores, no ato ocorrido no interior da Urcamp.

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