Amor é coisa de homem

“Justiça é coisa de homem. Amor, coisa de mulher”. O debate sobre coisa de homem e coisa de mulher está sempre presente nas praças da nossa alma. Defesas acirradas de posições entre os anjos, diabos e fantasmas que povoam os vastos territórios do nosso mundo interior.

Ao longo dos anos parece que a justiça encantou-me mais do que o amor. A luta pela justiça exige virilidade, coisa de macho! Diferente desse negócio meio água com açúcar chamado amor, ou caridade, esmolinha praticada por aqueles que com uma mão devolvem em forma de caridade, esmola, a mais-valia retirada dos seus empregados com a outra.

A justiça é guerreira, exige coragem. O problema é que a nossa justiça, no embalo cego do sentimentalismo, pode ser injusta. Recentemente um amigo me fez ver que nem sempre a minha justiça é muito justa, mas provocadora de sofrimento em pessoas que me querem bem. O interessante é que tal conversa desencadeou a rolagem de um filme em que parte do meu eu mostrava a mim mesmo os episódios em que errei no método e/ou conteúdo, cenas de justiça injusta.

“Desceu à mansão dos mortos, ressuscitou ao terceiro dia”. Alguns dias na mansão dos mortos, de vergonha. Realismo em estado puro. Tristes filmes. De lá, senti forte, novamente, a voz de Deus, amor eterno que não se cansa de nós, apesar de não merecermos: “Fábio, uma só coisa eu te peço, uma promessa, a de colocar o amor acima da justiça”. Para mim, quando Deus me pede uma coisa, é impossível dizer não. São pedidos tão agradáveis, mesmo se difíceis, que seria burrice ao quadrado dizer não ao nosso pai, sabedoria infinita, amor eterno.

Passei da mansão dos mortos ao paraíso da alma e, depois, voltei à vida cotidiana, lugar de teste de nossas promessas. Como fazer? Amar não é fácil. Não digo o amor ao inimigo. Amar o amigo também é difícil. O amor exige ascese de amor, vigilância cotidiana, sobretudo, em situações inesperadas de conflito. “Amar é coisa de macho”, concluí. Exige virilidade interior, coisa de homens e mulheres. “Antes de tudo a mútua e contínua caridade…” (Chiara Lubich).

Eu não havia pensado que minha indignação em vez de profética poderia ser patológica, insana. Grosseria moralista, raiva disfarçada de sede de justiça. Aliás, no discurso das bem-aventuranças, logo depois de afirmar que “são felizes os que têm sede e fome de justiça”, Jesus afirma também que “são felizes os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia”. Justiça e misericórdia, juntas. Justiceiros costumam praticar injustiças piores do que as que pretendiam combater. Em suma, terminei meu namoro com a justiça, vou casar com a caridade, agora, da qual a verdadeira justiça é fiel servidora.

Há muitas coisas boas na vida, assim como nas hortas. Tomates, ervilhas, cenouras. “Fábio, de ti eu quero ervilhas (amor) e não tomates (justiça). Favor me trazer a encomenda certa”. Deus não nos ama de forma geral, mas particular, como se cada filho seu fosse filho único, com tarefas, missões específicas. De mim ele pede o amor. Isso significa a minha morte, mas, também, o passaporte para a felicidade eterna, já aqui nesta terra de passagem. Vai ser a minha luta, já é a minha guerrilha, cujo inimigo maior está dentro e não fora de mim.

Fábio Régio Bento – sociólogo (e teólogo)

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